sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

A tradução

Humberto Alves de Moraes* | Garanhuns, 29/07/1994

Época em que o ensino era levado a sério em termos de aprendizagem. Para isso, os professores agiam com firmeza, reprovando os alunos que não apresentavam resultados satisfatórios nas provas escritas e orais.

A alternativa era queimar as pestanas no candeeiro e estudar até alta madrugada preparando-se para os exames.

Programação pesada desde o primário ao científico ou clássico, passando pelo exame de admissão, uma espécie de vestibular para o segundo grau, que poderia ser prestado durante um ano ou em provas nos exames no fim do ano, conforme as regras estabelecidas pelo Ministério da Educação.

A prova oral era a mais preocupante. Provocava tensão, vez que o aluno ficava durante a arguição  frente à frente com o examinador e diante dos colegas que assistiam ao desenrolar dos acontecimentos. Sobre a banca, papeletas dobradas contendo os pontos à disposição do aluno para retirar, sorteando-se o ponto com os assuntos para arguição.

O latim era considerado matéria difícil, assim como analisar sentenças das obras de Luiz de Camões, Os Lusíadas, ou trechos dos Sermões, de Padre Vieira.

Fim de ano, período dedicado de fato aos estudos, deixando-se em segundo plano outras atividades. Para superar imprevistos, preparavam-se papeletas para a fila, entre outros recursos, mesmo diante da fiscalização rigorosa que se observava no recinto sob silêncio absoluto. O flagrante representava sem apelação, o recolhimento da prova e a retirada do faltoso da classe. Mesmo assim, muitos corriam o risco pensando em aproveitar um descuido do professor.

Provas finais, comparecimento total. Expectativa e nervosismo estavam no semblante de grande parte dos alunos. Ficar para a segunda época, nem pensar. Muito menos perder o ano. Alguns aficionados da fila chegaram a criar um lema: "Quem num filorum num passorum."

Conta o professor e poeta Elias Laporte que o Padre Edgar Carício de Gouvêa, (foto) bispo da Diocese de Irecê, Bahia, professor de latim, titular das cadeiras de francês e latim, não era de favorecer não dedicados aos estudos, atribuindo-lhes notas baixas que mediavam entre um a três pontos.

Procurado por aqueles que queriam melhorar as notas, indagava:

- Quanto você tirou na prova?

- Três respondia o aluno. Incontinente, indagava:

- Três?... Notão!... Notão!... Notão!..., e retirava-se desestimulando o interlocutor.

Pela lista de presença, chamou João que ocupou a cadeira vaga, seguindo-se o ritual de sorteio do ponto. Prova de Latim, trunfinha não sabia patativa. O examinador perguntava e ele tentava responder sem êxito. O Padre Carício resolveu facilitar um pouco, solicitando que traduzisse a seguinte frase: "Corcontritum e umiliatum Deus no espichet".

Meio embaraçado, mas sem perder a esportiva, o aluno buscava saída não fundamentada no texto, enquanto o mestre insistia:

- Vamos!... Traduza!... Sem alternativas, João não se fez de rogado, e saiu-se com essa:

- Couro bem curtido e molhado, nem Deus espicha!

O professor reagiu, provocando hilaridade entre os alunos.

Em seguida traduziu:

- "Coração contrito e humilde nem Deus despreza".

*Jornalista, radialista e cronista. Foi vice-prefeito de Garanhuns e vereador.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Médium Divaldo Pereira Franco Cidadão de Garanhuns

Em 1993, Divaldo Pereira Franco, o maior Conferencista Espírita do Brasil recebeu o título de Cidadão Honorário de Garanhuns. O evento foi r...