Luiz Souto Dourado | Recife, 24/11/1984
O Recife daquela época - 1940 - era ainda uma cidade tranquila, boa para se viver. Sem muita gente precisamente 346.424 habitantes e sem muitos carros os quais eram alguns conhecidos pelas chapas (a família Dália da Silveira possuía os primeiros números) e até pelas buzinas. Uma cidade ainda silenciosa, de raros pregões e cheirando ainda a flores e frutas da estação nos seus bairros. Quem passasse pelas Graças poderia sentir o cheiro do jasmim misturado deliciosamente com música de velho piano. Uma cidade sem esta pressa, esta danação de hoje, embora já fosse considerada a terceira do Brasil, do que muito se orgulhava os seus moradores.
O Recife tinha então um teatro - o Santa Isabel; uma estação de rádio - a PRA-8, dois grandes jornais o - DIARIO DE PERNAMBUCO e o JORNAL DO COMMERCIO; duas principais faculdades - a de Direito e a de Medicina; um Conservatório de Música - o da Rua Riachuelo; duas praias preferidas - a de Boa Viagem, com piscinas naturais de água morna, e a de Olinda, com mar revolto e perigoso no Carmo; dois grandes clubes sociais - Internacional e Português; dois aeroportos - Ibura e Cais de Santa Rita, onde os aviões subiam e desciam sobre as águas.
O Recife tinha as coisas que deveria ter na sua justa medida a parecia contente com a vida que então levava; aos sábados passeio ou "footing" na Rua Nova, à época com mão e contramão para bondes e carros; aos domingos, pela manhã, praia, missa ou culto; à tarde, futebol na Ilha na Jaqueira ou nos Aflitos, regatas na Rua da Aurora; corridas de cavalo no Prado, retretas no Derby ou na Praça Sérgio Loreto; à noite, cinema (Parque Moderno ou Royal), teatro, Festa da Mocidade ou Festa de Igreja, no Carmo ou nos arrabaldes.
Foi este o Recife que começou a perder a calma entre as décadas de 1940 e 1950. Até no céu houve mudanças. O dia virou noite durante quatro minutos, com o eclipse total do sol, e a noite ficou mais escura ainda durante o "blackout" da guerra, segundo consta do Álbum do Cinquentenário do Moinho Recife, organizado pelo jornalista e publicitário Carlos Leite Maia.
O Recife começava a modernizar-se, a perder a sua fisionomia acanhada de cidade provinciana. Novais Filho, seu Prefeito, depois de construir o Parque 13 de Maio, inaugurava a Ponte Duarte Coelho, fazendo surgir do outro lado a Avenida 10 de Novembro, hoje Guararapes, que se ligaria mais tarde com a Avenida Conde da Boa Vista, alargada e entregue ao público na administração Pelópidas Silveira. A Rua Nova, ligada pela Ponte da Boa Vista à Rua da Imperatriz, deixava de ser o tradicional centro da cidade; a Avenida Guararapes tomava o seu lugar. Abria-se em seguida a Avenida Dantas Barreto. O Recife ensaiava o seu pique.
No começo da década de 1940, Valdemar de Oliveira funda o Teatro de Amadores de Pernambuco, Gilberto Freyre escreve o seu "Guia Prático", Histórico e Sentimental da Cidade do Recife. Instala-se em 1946, em sessão solene do Teatro Santa Isabel a Universidade Federal - o maior acontecimento cultural da época - para o que se deve ressaltar o extraordinário esforço do professor Joaquim amazonas. Inaugura-se a Rádio Jornal do Commercio, iniciativa grandiosa de F. Pessoa de Queiroz, Cria-se a Orquestra Sinfônica de Pernambuco. Aparece a revista "Nordeste", de Esmagadora Marroquim; instala-se a Discoteca Municipal e o 1º Salão de Poesia; bairros de Recife ganham bibliotecas populares.
Na virada da década, o Recife, escondendo as marcas das demolições apresentava uma imagem nova, um novo visual, como se diria hoje. Já era uma cidade com 524.682 habitantes; não andava só de bonde, pois já funcionava a Pernambuco Autoviária com excelente serviço de ônibus, aumentando muito o número de automóveis. Na sua pressa de correr as filas na Avenida Guararapes, não sabemos se a cidade chegou a ouvir o carrilhão do relógio do velho DIARIO bater, comemorando o centenário de nascimento de Joaquim Nabuco. Com a pressa, chegou o medo; com o medo, inaugurava-se também a Rádio Patrulha.
O Recife começava a perder a sua tranquilidade; começava a danação de hoje. Parar nas Graças para ouvir piano antigo, nunca mais. O cheiro do jasmim também acabou-se como tudo que era doce.
*Jornalista, advogado, cronista e historiador. Foi prefeito de Garanhuns, deputado estadual e secretário de Estado.
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